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A Espiritualidade da Inteligência Artificial

  • Foto do escritor: Leonardo Fontes Vasconcelos
    Leonardo Fontes Vasconcelos
  • 10 de mai.
  • 5 min de leitura


Eu sei que, à primeira vista, pode parecer estranha a ideia de falar em espiritualidade da inteligência artificial.


Mas, permita-me explicar.


É certo que, no atual estado do desenvolvimento da tecnologia da inteligência artificial, ela não possui consciência, não possui personalidade e, por consequência, não possui alma para podermos falar em sua espiritualidade.


O título deste ensaio faz referência ao impacto que essa tecnologia pode ter sobre a espiritualidade humana, seja individualmente ou na coletividade.


No dia em que eu escrevo este texto, o Papa Leão XIV, em seu discurso público no primeiro encontro de cardeais pós-conclave, explicou que uma das principais razões para a escolha do seu nome papal é o advento da inteligência artificial. O novo pontífice explicou que, dada a contribuição do Papa Leão XIII, a escolha do seu nome é um sinal de que a Igreja oferece toda a riqueza da sua doutrina social para lidar com o que chamou de outra revolução industrial: a da inteligência artificial. Isso, buscando a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho frente a essa tecnologia.


Ou seja, o líder de uma das maiores vertentes religiosas reconhece que a IA possui um impacto na alma humana. Mas, vou explicar como isso se aplica independentemente da sua crença religiosa, ou até mesmo se você não possui uma.


A inteligência artificial não surgiu, ela foi construída. E, contrariamente ao que a maioria pensa, não foi construída de uma hora para outra: foi um processo evolutivo que remonta desde a primeira revolução industrial, mas nutrido por anseios ainda mais antigos.


Esses antigos anseios são representados em mitos, peças dramatúrgicas desde a Grécia Antiga, romances, ficção científica, todos envolvendo o que chamamos de autômatos capazes de libertar o ser humano das tarefas repetitivas ou penosas que o prendem à materialidade da existência.


Apenas para termos ideia do quanto essa ideia é antiga, no século III a.C., Apolônio de Rodes, em sua obra Argonáutica, registrou um mito ainda mais antigo que se referia a Tálos, um gigante de bronze que teria sido criado por Hefesto (deus grego construtor, da invenção), com a função de proteger a ilha de Creta contra invasores (quem gosta de Harry Potter vai lembrar de algo parecido durante a invasão a Hogwarts).


Agora, para sairmos da esfera da mitologia e irmos para a realidade, no século III a.C., o inventor, engenheiro e matemático grego Ctesíbio de Alexandria (gosto de como os gregos se referiam à sua cidade natal em seus nomes) criou um mecanismo hidráulico capaz de marcar o tempo e movimentar sozinho figuras nessa marcação.


Já no século I d.C., Heron de Alexandria descreveu diversos dispositivos cujos projetos utilizavam vapor, contrapesos e ar comprimido para mover figuras mecânicas, como em um teatro automático que desenvolveu.


Percebe como a vontade do ser humano de deixar de fazer uma tarefa e delegar para algo artificial e mecânico é antiga?


Mas, já nos tempos modernos (oi, Chaplin), não podemos deixar de falar sobre a Revolução Industrial. Afinal, foi nesse momento em que a tecnologia possibilitou a criação de máquinas – a vapor – capazes de substituir o trabalho humano em larga escala, mas ainda mantendo a necessidade de trabalhadores para operar tais máquinas. O que um artesão fabricava em um mês, as máquinas passaram a fabricar em um dia de trabalho, ou em poucas horas.


Depois, já na era da digitalização – computadores e internet –, a capacidade de produção das empresas ampliou ainda mais, mas mantendo a necessidade de trabalhadores. O resultado foi que, paulatinamente, construímos um mundo frenético, em que tudo tem que ocorrer com extrema urgência, precisamos trabalhar o máximo de horas possíveis para nos sentirmos (ou sermos considerados) produtivos e, quase sempre, ganhando apenas o necessário para a nossa subsistência.


Hoje, ao menos em sociedades similares ao Brasil, o trabalhador passa a semana inteira trabalhando ou em atividades preparatórias para a jornada laboral, restando-lhe apenas a metade de um sábado e o domingo para descanso – que é dividido com demandas pessoais que ficaram represadas durante o trabalho.


O resultado desse mundo louco é que o ser humano esqueceu o que é ser ser humano, não conhecendo mais a sua essência como espécie, sociedade e individualidade.


Agora sim, após toda a nossa retrospectiva, chegamos à inteligência artificial. Por que ela é tão diferente? Por que falamos em espiritualidade da IA e não das máquinas a vapor ou de computadores digitais?


A questão é que, pela primeira vez na história da humanidade, nós efetivamente alcançamos um nível tecnológico que nos possibilita liberar o ser humano do trabalho necessário e permitir que ele possa se dedicar a questões essencialmente humanas. O trabalho tende a permanecer, mas não como necessário, e sim como uma dinâmica que faça sentido para a existência do ser, para sua dignidade e sentido dentro da sua comunidade.


A inteligência artificial, no estado em que ela está atualmente, em 2025, já é capaz de liberar tempo ao trabalhador, mas o sistema trabalhista de 6 dias de trabalho para 1 de descanso, 8 horas diárias de serviço, somadas ao tempo de locomoção e horário de almoço que não serve para questões pessoais, impede que o trabalhador possa utilizar o tempo que agora é possível sobrar. O resultado é que a empresa passa mais atividades, já que tem mais tempo livre dentro das 8 horas de vida diárias compradas pelo empregador.


Pensemos, então, no avanço da tecnologia: ela passará a ser capaz de fazer ainda mais do que já faz hoje. Somando-se a isso, o mundo está finalmente recebendo robôs humanoides em suas casas, cuja cognição é processada por IA. A China é líder nesse segmento e já está comercializando esses produtos.


A soma da IA mais avançada com a robótica comercial eventualmente irá substituir os trabalhadores em todas as suas tarefas, desde tarefas braçais até as intelectuais, incluindo os CEOs das empresas.


Então, o que será de nós? É nesse ponto que a espiritualidade da IA entra. O ser humano está começando a ter a oportunidade de refletir sobre si mesmo como espécie biológica, como espécie social, como indivíduo, como coletividade e buscar compreender a sua razão de existir e o seu lugar no mundo. Reflexões que a dinâmica frenética de produção laboral impedia a generalidade de ter.


Mas, isso é novo? Não. Sócrates, nascido aproximadamente em 469 a.C., começou a sua jornada pública na filosofia por volta de 439 a.C. O seu trabalho foi dedicado exatamente a tentar compreender as questões essenciais do ser humano. Não à toa que os filósofos antes dele foram denominados de pré-socráticos, pois o foco da reflexão deles não era o ser humano, mas sim a natureza.


O que quero dizer é que, há quase 2.500 anos, já existia essa reflexão sobre a essência espiritual, metafísica e imaterial do ser humano. Mas, como vimos, a loucura do mundo produtivo nos levou a esquecer isso.


Agora, como o Papa Leão XIV mencionou, a inteligência artificial vem como uma possibilidade para servir o ser humano, respeitando a dignidade humana, a justiça e o valor social do trabalho – que agora devemos chamar de atividade humana.


É a nossa chance de redescobrirmos o nosso lado espiritual. Caso você não acredite em espiritualidade, pode focar em entender melhor a sua essência interna e como, respeitando-a, você pode finalmente passar a ter relações positivas com os que o cercam.

Yorumlar


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