Sim, perdi uma chance, mas não apenas eu. Certamente muitas pessoas passam por isso.
Estou me referindo a um momento da minha vida, logo após minha filha mais velha ter nascido, quando fiquei desempregado. Naquela época, eu trabalhava com publicidade e visitei algumas agências em busca de uma nova colocação.
Em um determinado momento, encontrei-me diante do gestor da maior agência de publicidade do Acre na época. Como parte do processo de seleção, ele me pediu para planejar uma campanha de comunicação para o Dia Internacional da Água; o cliente era o Governo do Estado do Acre.
Assim fiz. Planejei a campanha, o roteiro para as diversas mídias (offline, já que na época não se vislumbrava o uso das mídias sociais para campanhas publicitárias) e apresentei tudo a esse gestor, que por sinal, é meu conterrâneo, baiano.
Recebi elogios e mais elogios. Ele pediu algumas alterações para, depois, apresentar ao seu sócio e, então, colocar no ar a campanha e discutir minha contratação. Mas, eu precisaria esperar alguns dias, pois o sócio estava de viagem e as contratações eram acertadas pessoalmente.
Efetuei as alterações por ele solicitadas, entreguei e... só isso. Até hoje, estou esperando.
É claro que, devido à promessa, eu fiquei aguardando por um tempo. Deixei de entregar currículos, dispensei convites de alguns colegas de área para trabalhar em projetos menores, afinal, eu tinha a promessa de contratação para a maior agência de publicidade do Estado na época.
Hoje, enxergo isso como uma de minhas lições de vida e profissionais, mas naquela época, esse não foi o sentimento e a compreensão que tive.
Natural.
Isso é o que o direito chama de teoria da perda de uma chance.
Trata-se da perda de uma possibilidade de conquistar algo que seria bom, ou até melhor, para a pessoa. Essa perda ocorre devido à conduta de outro. No âmbito trabalhista, vemos isso acontecer quando uma empresa promete contratar uma pessoa, dando-lhe segurança de que essa contratação ocorrerá. Como no meu caso, participei de um processo seletivo, criei uma campanha teste que foi aprovada. Foi-me solicitado apenas para aguardar o retorno de um dos sócios para discutir e efetivar o meu contrato de trabalho. Mas nada disso se concretizou. Nesse meio tempo, deixei de entregar currículos, podendo ter sido contratado por outras empresas, e até mesmo dispensei convites concretos para participar de projetos.
Pode-se questionar que fui precipitado ao dispensar tais convites. Sim, hoje é fácil chegar a essa conclusão. Mas o fato é que, nas relações de trabalho e emprego, o trabalhador está vulnerável diante da empresa e, ao participar de um processo seletivo e ter recebido a informação de que foi aprovado, espera-se a boa-fé da empresa nessa fase pré-contratual. Quando a empresa não cumpre o prometido, surge a conduta que gera um dano ao trabalhador por ele ter perdido oportunidades concretas.
Antes de continuarmos sobre a perda de uma chance, é importante destacar que as promessas feitas antes de se assinar um contrato – e não se esqueça que um emprego é um contrato, um contrato de trabalho regido pela CLT – também podem gerar responsabilidades, a depender do caso. Trata-se da responsabilidade extracontratual que existe porque, no direito brasileiro, todos os contratos devem cumprir, antes mesmo de sua assinatura, com suas funções sociais, dentre elas, a boa-fé. Então, se algum dano advier das promessas feitas em fase pré-contratual, é possível discutir a responsabilidade extracontratual.
Aqui reside a teoria da perda de uma chance ocasionada por uma forte promessa de contratação não cumprida e que ocasionou a perda de uma possibilidade concreta de uma oportunidade para aquele que sofreu esse dano, no caso, o trabalhador.
Sim, a empresa tem total liberdade de contratar ou não contratar. É um direito dela. Mas, se ao exercer tal direito, ocasionar o dano que estamos aqui discutindo, então ela praticou um ato ilícito, ou seja, o exercício irregular do direito. Isso porque o exercício do seu direito causou danos a outra pessoa.
Esse é o cenário: as empresas não podem brincar de prometer contratar pessoas, principalmente depois de tê-las submetido a um processo seletivo e garantido a aprovação no processo. Mediante essa promessa concreta, o trabalhador deixa passar outras oportunidades que lhe seriam vantajosas, contudo, é surpreendido pelo não cumprimento da promessa que recebera.
Há casos no judiciário, para encontrá-los basta fazer uma pesquisa jurisprudencial, de trabalhadores que ao receberem a confirmação de que serão contratados, pediram demissão de seus empregos atuais, mas posteriormente não tiveram sua contratação efetivada. Ficaram sem qualquer emprego.
A perda de uma chance gera indenização, tanto na justiça comum quanto na trabalhista. No devido processo legal, será apurada a probabilidade de a chance perdida realmente poder ter sido aproveitada pelo trabalhador, se não fosse a promessa não cumprida da empresa. Será verificada a extensão do dano que esse trabalhador sofreu para, então, quantificar a indenização.
A Constituição da República Federativa do Brasil determina que a nossa nação deve ser pautada pela solidariedade entre todos e pela proteção das camadas mais vulneráveis da população. Está mais do que na hora das empresas reconhecerem que o trabalhador é, sim, vulnerável diante de toda a capacidade econômica e técnica das empresas. Mesmo as menores pessoas jurídicas possuem mais capacidade do que qualquer trabalhador médio.
Como diria o Tio Ben, “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.
E as empresas têm, sim, grandes poderes perante a classe trabalhadora.
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