O nosso assunto neste texto é de grande apreço para mim. Trata-se de algo que me incomoda desde que me graduei em Direito, no final de 2019 e começo de 2020. E, carregando a minha experiência como profissional de marketing e publicidade por 15 anos, sinto-me em uma posição especial para falar sobre o assunto. Como dizem, tenho lugar de fala, principalmente por se tratar de uma crítica à minha antiga profissão.
É impossível ignorar a sensação de desconforto e até mesmo indignação diante da crescente prática adotada por muitas empresas fornecedoras de produtos e serviços: a ocultação do preço em anúncios nas redes sociais. Essa estratégia, que tem se tornado cada vez mais comum, é um exemplo claro de como o interesse do fornecedor acaba prevalecendo sobre o direito do consumidor à informação clara, completa e precisa. Trata-se de um jogo sujo de manipulação que usa técnicas de marketing, como copywriting persuasivo e coleta de dados pessoais, para atrair, confundir e prender o consumidor em um funil de vendas que esconde o que deveria ser a informação mais básica e acessível: o preço.
Não ignoro que a empresa tem o direito de fazer suas ações de marketing. Inclusive, ainda hoje eu sou apaixonado por muitas ações que marcaram história e gosto de muitas técnicas da área. Mas tudo deve ser feito respeitando a legislação e os direitos dos consumidores.
O consumidor é legalmente reconhecido como vulnerável frente ao fornecedor, o que é um pilar central do direito do consumidor e serve como um contrapeso à liberdade econômica irrestrita dos fornecedores. No inciso I do seu artigo 4º, o Código de Defesa do Consumidor consagra a posição de vulnerabilidade do consumidor em suas relações de consumo, partindo do pressuposto de que ele é a parte mais fraca e, por isso, necessita de proteção especial. A livre iniciativa, embora garantida constitucionalmente, não pode ser exercida de maneira desregrada e predatória. O mercado não é um espaço de liberdade absoluta, mas um ambiente regulado em que os direitos do consumidor, incluindo a transparência e a boa-fé nas ofertas, prevalecem sobre práticas abusivas e desleais. Omitir o preço em anúncios, uma prática que busca manipular e confundir, representa um claro desrespeito a esse reconhecimento da vulnerabilidade e à necessidade de equilíbrio nas relações de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), por exemplo, é cristalino ao afirmar, em seu artigo 31, que a oferta de produtos e serviços deve ser feita de maneira clara, completa e precisa, incluindo o preço. Mas o que vemos na prática é uma estratégia que afronta esse direito fundamental do consumidor, que é o de saber, de antemão, o valor do que está sendo ofertado. Ao ocultar o preço, os fornecedores violam a transparência exigida pela legislação, criando uma situação de desconforto e desconfiança que só beneficia a empresa. Ao esconder o preço, os fornecedores buscam criar uma narrativa que envolve, instiga e, muitas vezes, manipula o consumidor a fornecer informações pessoais ou, no mínimo, a gastar mais tempo e energia do que o necessário para obter a informação.
É claro que, do ponto de vista do marketing, essa prática tem suas justificativas. Técnicas de copywriting como a AIDA (Atenção, Interesse, Desejo e Ação) e o uso de gatilhos mentais como a curiosidade são exploradas ao máximo nessa abordagem. O consumidor, atraído por promessas e benefícios, é induzido a entrar em um ciclo de interação com a empresa na esperança de descobrir o tão misterioso preço. Isso pode até parecer uma estratégia inteligente à primeira vista, mas é preciso reconhecer o caráter abusivo dessa conduta. Ela busca, essencialmente, criar um cenário em que o consumidor é levado a agir de maneira emocional, com base no desejo e na curiosidade, antes mesmo de saber se o produto ou serviço cabe em seu orçamento.
O que não se pode ser esquecido é que em um país como o nosso, onde o nível de analfabetismo funcional é elevado, é ilusório pensar que todos os consumidores possuem a capacidade plena de discernir entre estratégias de marketing que visam apresentar um benefício real e aquelas que manipulam emoções para induzir ao consumo. A realidade é que, infelizmente, muitas pessoas não conseguem interpretar adequadamente informações complexas ou perceber as nuances das ofertas, o que pode levá-las a tomar decisões precipitadas e prejudiciais. Além disso, é sabido que, no momento da compra, a emoção muitas vezes se sobrepõe à razão. Os consumidores podem ser facilmente influenciados por mensagens publicitárias que exploram seus desejos e necessidades, mesmo que de forma enganosa. Por isso, é fundamental que as informações estejam completas e claras, incluindo o preço, para que o consumidor possa exercer sua autonomia de maneira consciente e informada, não sendo induzido ao erro pela falta de transparência.
Aqui faço um destaque: Código de Defesa do Consumidor e a Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021) possuem, em seu espírito, a proteção do consumidor contra práticas comerciais abusivas e a prevenção de situações que possam levar a prejuízos financeiros, como o superendividamento decorrente de compras não planejadas ou contratos de crédito abusivos.
Além disso, ocultar o preço também é uma estratégia que esconde uma outra intenção: a coleta de dados. Ao fazer com que o consumidor forneça informações pessoais, como nome, e-mail, telefone e até mesmo preferências de consumo, as empresas conseguem mapear seu público-alvo, segmentar ofertas e, em última análise, manipular a jornada do cliente. Esse processo levanta uma série de preocupações em relação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que determina, em seus artigos 6º e 7º, que a coleta de dados pessoais deve ser feita mediante consentimento e de maneira transparente, com uma finalidade clara e legítima. Quando o preço é ocultado, e a única maneira de descobri-lo é fornecendo informações pessoais, fica evidente que há um desequilíbrio de interesses e violação da normativa de proteção de dados pessoais. Assim, a empresa obtém dados valiosos, que serão usados em futuras ações de marketing, enquanto o consumidor é obrigado a se expor, muitas vezes sem saber exatamente para quê e sem ter a certeza de que de fato irá adquirir o bem que está sendo anunciado.
Se a intenção do fornecedor é oferecer uma experiência para o consumidor e pensa que isso justifica a ocultação de informações, deve-se lembrar que, embora a vivência de experiências como estratégia de marketing possa ser relevante para atrair a atenção do consumidor, para fins legais, essas experiências não podem ser confundidas com o produto ou serviço oferecido. A essência da oferta deve estar naquilo que efetivamente está sendo vendido e nas condições claras da transação, incluindo o preço. Criar uma narrativa emocional ou proporcionar uma experiência única pode, sim, agregar valor, mas isso não justifica a omissão de informações essenciais para que o consumidor faça uma escolha racional e informada. O direito à informação completa, precisa e ostensiva, como previsto na legislação, não pode ser substituído por estratégias de marketing que, apesar de atraentes, desviam o foco da clareza necessária para uma relação de consumo equilibrada.
Vale destacar novamente que a LGPD exige que o consumidor dê seu consentimento explícito para a coleta de dados e que ele tenha conhecimento da finalidade dessa coleta. No entanto, quando os dados são coletados em troca de uma informação básica como o preço, a relação se torna quase coercitiva. O consumidor se vê em um beco sem saída: ou cede suas informações ou fica sem saber se pode ou não arcar com aquele produto ou serviço. Essa prática vai contra o princípio de boa-fé que deve reger as relações de consumo e a proteção de dados.
Outro ponto de destaque é o uso desse tipo de prática como uma forma de evitar que o consumidor tome decisões baseadas na racionalidade. Ao omitir o preço, as empresas impedem que o consumidor compare ofertas e avalie, de forma consciente, se o produto vale ou não o investimento. Esse é um ponto crucial, já que a comparação de preços é um dos direitos mais básicos do consumidor e está diretamente ligado à transparência exigida pelo CDC, à Lei nº 10.962/2004 e ao Decreto n.º 5.903/2006, que juntos regulamentam a forma de divulgação dos preços. Quando o preço é escondido, o fornecedor cria obstáculos desnecessários e coloca o consumidor em uma posição de efetiva vulnerabilidade, tendo que negociar ou buscar informações adicionais que deveriam estar disponíveis desde o início.
Antes que se pense que a alta competitividade do mercado serve como justificativa para práticas que prejudicam o consumidor, relembre que o consumidor não deve arcar com o ônus de estratégias comerciais agressivas que visam apenas aumentar a vantagem competitiva das empresas. As regras de transparência e informação, como a apresentação do preço, existem justamente para proteger o consumidor em um cenário onde as empresas disputam sua atenção e seu dinheiro de todas as formas possíveis. Enquanto o mercado deve, sim, ser livre e competitivo, essa liberdade não pode ferir direitos essenciais dos consumidores, como o direito de saber, desde o primeiro contato com a oferta, qual é o preço do produto ou serviço. Estratégias que buscam ocultar informações sob o pretexto de concorrência acabam por criar um ambiente predatório, onde o consumidor é tratado como um alvo a ser explorado, e não como uma parte fundamental e merecedora de respeito na relação de consumo.
Ainda tão preocupante quanto é o fato de essa prática, muitas vezes, se apoiar na justificativa de que o produto ou serviço é “personalizado” e, por isso, o preço não pode ser revelado de imediato. Mesmo que existam situações em que a personalização é genuína e realmente afeta o valor final, a maioria das empresas que utilizam essa desculpa a têm como um artifício para dificultar a compreensão do consumidor sobre os custos envolvidos. Mais uma vez, é o interesse do fornecedor que é colocado em primeiro lugar, em detrimento da clareza e da informação correta que a legislação determina como um direito inalienável do consumidor.
Essa conduta reflete uma mentalidade de mercado que prioriza a manipulação da experiência do consumidor em prol da maximização dos lucros. Ela revela um profundo desrespeito pelos princípios de transparência e lealdade que deveriam nortear a relação entre fornecedor e consumidor. Ao ocultar o preço, as empresas estão, na verdade, dizendo ao consumidor que ele deve primeiro provar seu interesse e até mesmo sua “disposição de compra” antes de ser digno de conhecer o valor daquilo que deseja adquirir. Isso é não só uma violação ao direito à informação, mas também uma prática que subverte a ideia de que o consumidor deve ter liberdade para decidir com base em informações claras e objetivas.
Em um mercado ideal, a relação entre fornecedor e consumidor deveria ser construída com base na confiança e na honestidade. O consumidor tem o direito de conhecer todas as condições da oferta, incluindo o preço, antes de tomar qualquer decisão ou fornecer qualquer informação pessoal. Omitir o preço em anúncios, portanto, é uma prática abusiva que revela o interesse unilateral do fornecedor em conduzir o processo de venda em seu próprio benefício, manipulando informações e colocando o consumidor em posição desfavorável.
Diante de tudo isso, é urgente que consumidores e órgãos de defesa fiquem atentos a essas práticas e exijam transparência nas ofertas. É preciso romper com a mentalidade de que o marketing pode tudo em nome da persuasão e do lucro. O respeito ao consumidor e às normas que regem a precificação e a proteção de dados deve ser a regra, e não a exceção. A ocultação do preço é, em última análise, uma violação clara dos princípios de transparência e equidade nas relações de consumo, e só beneficia aqueles que buscam ganhos fáceis em detrimento dos direitos dos consumidores.
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